quarta-feira, maio 26, 2010

Sem título .

Esperando alguém jogar toda a minha vida pro alto e bagunçar.

domingo, maio 23, 2010

Eu, tu, ele...

         Silêncio. Quietos, mudos quando ele passou. Suas bocas tão cerradas que só se ouvia o ranger dos dentes. Menos ele. O homem não falava absolutamente nada, sorria somente. Seus dentes não eram tão brancos, sua boca era carnuda, e seu sorriso, largo. Seu olhar era vago, mirando o infinito, parecia não ver os olhares inquietos o observando. Um cigarro numa mão, levando-o a vezenquando.
         Raiva, não daquele homem – claro, conseqüentemente dele também -, mas de si mesmos, raiva da sua essência, de si. De tudo o que poderiam ter feito mas não fizeram. Do que poderiam ter sido, mas não são. O que poderiam ter dito mas não disseram? Raiva do que fizeram e fazem, do que foram, do que são, do que disseram e do que dizem.
         Eles nem ao menos cochichavam entre si, apenas olhavam atentos, guardando, mantendo aquele ódio, aquela amargura cada vez mais para dentro de si.
         Não iriam, falar ou abrir-se, ou apenas mudar. Nem simplesmente tentar. Só mentir, guardar mais mentiras dentro das suas geladeiras frias e cheias. E só.
         O homem magro e de olheiras fundas virou a esquina, ainda sorrindo, e instantaneamente tomaram tomaram suas posições normais, suspiraram e apertaram o passo.
                                                           LC

quinta-feira, abril 08, 2010

Imaginem .

               É engraçado como, de uma hora para outra, espaço de tempo esse que pode não durar nem sequer um dezesseis avos de segundo, você não tem mais nada. Uma instante você pensa que está no céu – você não pensa, você está –, mas de repente as nuvens se dissipam, você perde a estabilidade que aquele lugar te proporciona, um buraco aberto ao seu redor, e só se sente o cair. Nada além do cair. O torpor toma conta de seu corpo, e só se consegue sentir as bochechas corando, o corpo ficando quente, e mais quente. Não, não é engraçado.
Mas, não se sabe como acontece, mas acontece: com poucos minutos de atraso, o sentimento de liberdade. Não, ele não cobre o sem nome de sentimento que veio primeiro. Simplesmente dá para sentir cada um paralelamente, simultaneamente.
Meus pés não estão mais acorrentados aos seus, e você me deu a permissão para sair.
O corpo treme, sinto vontade de gritar, e não, não vai durar pouco tempo. Mas de uma maneira ou de outra, eu busquei isso desde o inicio, e não vai ser tão difícil de lidar quanto eu pensava. Eu só preciso de um tempo, um tempo para dar tempo; tempo para organizar tudo em minha mente.
Não que fosse algo que eu queria, mas de algum jeito, um mal necessário. Algo para me balançar e um grito em meu rosto, para me fazer perceber que a corrente no meu calcanhar já tinha sido aberta.
Só preciso do meu tempo. Para me fazer perceber que estar livre é bom; é melhor que estar acorrentado. Mas não sei quanto tempo vou levar para perceber.





LC'

segunda-feira, março 15, 2010

Fotografia Enquadrada


         A porta do elevador se abriu, e Miguel puxou Bruno pelo braço até a porta do 701. Rindo, Bruno ajeitava a gravata na blusa branca, enquanto Miguel girava a chave na fechadura.
“Tem certeza que não tem ninguém em casa?”, disse, olhando para o chão. “Não vai ser hoje que conhecerei seus pais?”
         Miguel olhava para ele e sorria. Entrara no apartamento jogando as chaves no sofá, e não acendeu a luz. Bruno parecia um pouco hesitante, então Miguel o puxou para dentro.
“Dá para não ficar parando feito uma mula até eu te puxar?”
         Bruno, rindo, se jogou no sofá onde estavam as chaves, e Miguel entrou num outro corredor dentro do apartamento.
“Aonde vai?”, perguntou Bruno virando-se para ver o que era.
“Cozinha. Pegar algo para comer e beber.”
         Enquanto Miguel não voltava, Bruno percorreu o cômodo com os olhos. As paredes eram impecavelmente alvas, e tinham algumas fotos espalhadas por elas. Ao menos na grande maioria das fotos, Miguel aparecia com um casal loiro como ele, mais velhos. Em diversas idades. Nas outras, além do casal, havia fotos com uma menina mais ou menos de sua idade, com cabelos longos e loiros, olhos azuis, magra. Seus olhos se fixaram numa fotografia enquadrada de Miguel abraçado a essa menina.
“Helena”, afirmou Miguel em suas costas, o assustando. “Minha irmã. Mudou-se há poucos meses para São Paulo. Simplesmente cansou do Leblon e do Rio de Janeiro”.
         Sorriu e entregou um copo de vinho branco a Bruno. Envolveu a cintura dele com o braço que estava segurando o copo, e se distraiu por um instante observando a fotografia atentamente. Bruno se desvencilhara do braço de Miguel e sentou no sofá novamente. Odiava mãos – ou simples toques – em sua barriga.
         Miguel, de costas para ele, mexia agora em algo perto da cômoda ao lado do sofá, e quando se virou rindo maliciosamente, começou a tocar uma música lenta.
         Bruno lembrou-se o quanto gostava daquele sorriso. Tirou um cacho de cabelos castanhos do rosto e pôs atrás da orelha. Apreciou um gole do vinho enquanto Miguel se sentava ao seu lado no sofá.
“A festa estava mesmo um saco”. Miguel tirava a gravata.
“Eu não achei. Mas você me empurrou para fora a força e me trouxe para cá”.
“Precisava comer alguma coisa”. Respondeu, apontando para a mesa de vidro à frente deles. Nela havia uma bandeja com porções de sushi e molho, que Bruno não havia notado antes.
“E a garota ruiva, eu esqueci o nome dela, o que aconteceu?”
“Bruno, nem me fale dela. Muito controladora, neurótica, louca.” Respondeu Miguel, rindo. “Não gosto de ser controlado”.
         Depois de uma pausa de 3 segundos, que mais pareceram 3 horas, ele disse.
“E gosta de quê, Miguel?”
         Seus olhos encontraram os de Miguel e lá ficaram. Bruno não percebeu quando depois de algum tempo Miguel começou a se aproximar, inclinando-se devagar. Nem ao menos Miguel tinha percebido. Não havia mais pensamentos, e quanto mais palavras. Não havia mais ar, só aquela respiração pesada que os dois dividiam. Bruno mordeu o canto direito do lábio inferior e inclinou-se também.

                                                                                                                 LC